Individualismo versus Unicidade
Desde o dia em que nascemos, começamos aos poucos a
deixar de ser. Como isso é possível? Não seriam todas as nossas experiências,
vivências, relacionamentos o que definem o que nós somos? Não seria a somatória
de nossas existências terrenas o que delineia o nosso ser? E se fossem
exatamente todas essas vivências e percepções individuais que nos distanciam do
que realmente somos?
Nossa visão de mundo é invertida, porque o vemos sob a
perspectiva de temos interesses separados dos das outras pessoas. Desde o momento
em que nascemos, os vários acontecimentos nos apontam um caminho sem volta da
individualidade. O bebê nasce e imediatamente recebe um nome, o que o
diferencia dos demais. Nascemos de pais diferentes, em etnias diferentes,
classes sociais diferentes e temos uma história de vida totalmente diferente
uma das outras. E como se formássemos um muro ao redor de nós mesmos todas as
vezes em que acreditamos viver algo separado dos demais. Mas será que tudo isso
define quem somos? Não seriam todas essas histórias uma maneira de nos confinar
e limitar dentro de algo que nunca fomos e nunca seremos?
O resultado de nossa percepção individual é o julgamento
do mundo baseado em analisar se algo serve ou não aos nossos interesses. Nos
importamos com os outros apenas enquanto isso sirva aos nossos interesses
individuais de alguma maneira. Entretanto, precisamos aprender a fazer
julgamentos baseados no conteúdo e não na forma e isso significa perguntar a
qual pensamento estamos ouvindo: aquele que nos separa dos demais, ou aquele
que nos diz que estamos todos empenhados na mesma busca?
E se, ao invés de vivermos pensando apenas em nós mesmos,
nossa própria família, amigos, nacionalidade, raça ou religião – excluindo
todas as pessoas que não pertencem a esses grupos – estivéssemos empenhados em
aprender a lição dos interesses compartilhados?
Conseguimos perceber que o conceito que temos de nós
mesmos apenas nos separa dos demais? Conseguimos perceber a relatividade, a
comparação que usamos para definir quem somos? Se eu pedisse para que você
definisse quem você é, seria possível sem o referencial com outras coisas que
você acredita que você não é? Por exemplo, sou uma mulher – isso já me define
como diferente dos homens, sou descendente de japoneses e italianos – sou separada
das outras etnias, brasileira – bem diferente dos americanos e por assim em
diante. É possível definir quem nós somos sem nos diferenciar dos demais? E
consigo perceber que essa individualização começa a acontecer a partir do
momento em que nascemos?
E quanto tempo vamos levar para compreender que a única
possibilidade de tais percepções equivocadas é experimentar a dor e
desconforto? E se conseguíssemos abrir mão dessa individualidade e
aprendêssemos que nós compartilhamos o interesse único de despertar de um
sonho? Um sonho de dor, medo, culpa, julgamento que nos separa do resto do
mundo. Um sonho que nos conta que estamos sozinhos em nossa busca.
Nesse mundo individual, vivenciamos constantemente o
senso de falta. Dar e receber são vistos como coisas separadas. Acreditamos
que, se eu der algo a alguém, esse alguém terá o que lhe foi dado e eu,
consequentemente, ficarei sem esse algo. Quantas vezes, quando oferecemos
ajuda, nos sentimos drenados, fatigados? Em que se baseia essa percepção?
É possível que, ao doarmos amor e sabedoria que, ao final
disso, teremos menos deles? Seria essa a verdadeira doação? Seria isso amor
genuíno?
Entretanto, conseguimos compreender que, atuando através
da Mente Certa, conseguimos deixar que o Amor que recebemos a todo instante
flua e se estenda através de nós para nossos irmãos e para nós mesmos?
Ensinar e aprender é um processo constante e único, quer
estejamos conscientes disso ou não. A todo momento, fazemos escolhas e isso,
longe de definir quem somos, apenas nos conduz à verdade de nossa essência ou à
percepção equivocada do que somos. Nossas escolhas jamais poderiam mudar a
essência de nosso Ser. A verdade simplesmente é, independente de nossas
crenças. O verbo ser, ao definir quem somos, é sem objeto. Apenas somos.
Aprendemos e ensinamos o conteúdo de nossas mentes e não a forma de nossos
corpos.
É necessário que percebamos e aceitemos que não existem
diferenças entre nós e qualquer outra pessoa do mundo em conteúdo, embora
sejamos muito diferentes na forma.
Nosso comportamento apenas reflete a escolha em nossa
mente. Todas as vezes em que nos sentimos injustiçados e acharmos que nossa
raiva e julgamento são justificados é porque escolhemos aprender que somos
separados dos demais. Isso nos leva à percepção equivocada de que, para ser
mais feliz, preciso ser aquele que causa a dor e não aquele que a sofre. Mas
isso implica em deixarmos de perceber que somos o mesmo: carcereiros e
prisioneiros de nós mesmos. E poderia alguém ser realmente feliz às custas do
sofrimento alheio? A felicidade é realmente tão limitada a ponto de que ela só
pode pertencer a algumas pessoas?
Então, neste momento, façamos a nós mesmos a grande
pergunta: quem é o tu que achas que vive essa vida? E, livre dos referenciais
aparentemente externos, vamos começar a entender e compreender aquilo que não
somos. Ao tirarmos nossas ilusões, impreterivelmente vamos chegar ao que
realmente somos. Nesse sentido, esquecer também faz parte do aprendizado. É
necessário muito investimento de nossa parte para sustentarmos o nosso ser
formado pelas aparências.
Na verdade, somos todos o mesmo espírito tentando nos
recordar de quem somos e tentando voltar para casa. Que o senso de unicidade
nos seja cada vez mais claro e que tenhamos discernimento de abrir mão de uma
individualidade doente para nos reconhecermos como parte integrante de um todo
que, mesmo ignorando sua verdade, nunca teria condições de deixar de ser o que
realmente é.
Juliana Kurokawa. Individualismo versus Unicidade. Instituto Espiritual Xamânico Flor de Lótus, 14 de setembro de 2015. http://lotusxamanismo.com.br/individualismo-versus-unicidade/
FONTE
Comentários
Postar um comentário